Caro Internauta
faz um tempinho que escrevi este texto. Até o coloquei neste Blog. Agora, um
pouquinho retocado, apresento-o novamente. Espero que faça
pensar...
Recordo uma frase
que li há algum tempo: "Temos o direito de criticar, negar, satirizar o profeta
Maomé e Alá e Jesus Cristo e Shiva e Buda e Xangô e Jeová e Zeus – e toda a
imensa fileira de deuses e deusas que a humanidade criou e criará". - Está aí.
Estas palavras debochadas são do jornalista André Petry, da Revista Veja. Nunca
as esqueci. Para esse senhor, o direito de zombar da religião dos outros é
sagrado. Sagrada é a liberdade de imprensa, sagrada é a democracia, sagrado é o
ateísmo. Só Deus não é sagrado!

Não compreende o
simplório bem-pensante, que o respeito pela religião dos outros é a atitude
inteligente e séria de quem, mesmo sendo ateu, compreende que a existência é um
mistério tão profundo que faz com que o descrente, ao menos por sábia modéstia,
se pergunte: “E se for verdade que Deus existe?” Como também o crente sério e
responsável respeitará os ateus, pois, vez por outra, sente a alfinetada de uma
incômoda pergunta: “E se não for verdade?”
Pense bem: quem não crê, se for
maduro e inteligente, perceberá que a existência é um mistério indevassável, com
mais perguntas que respostas e, por isso mesmo, será modesto no seu ateísmo.
Quem crê de verdade, tem consciência que o Deus verdadeiro nos ultrapassa, não
pode ser manipulado e totalmente explicado: quem compreender o seu Ser? Quem
pode esquadrinhar o seu agir?
E, por isso mesmo, o crente maduro sabe não
possuir todas as respostas nem pode ter o Deus vivo na palma da mão... O crente
maduro é modesto na sua fé, ainda que convicto. É exatamente essa sábia modéstia
de quem não crê e a atitude de eterno peregrino do Absoluto de quem crê que cria
o espaço do respeito mútuo.
Em outras palavras: um ateu profundo e sincero
sempre será tentado a crer; como o crente profundo e sério sempre será beliscado
pela ameaça da descrença. Aqui ambos se encontram, aqui se respeitam e
compreendem que por mais que tenham posições diferentes ante o mistério de Deus,
estão diante de uma Realidade que ultrapassa a pobre razão humana.
Mas, convenhamos, é
esperar demais de alguns simplórios que se metem a falar de Deus, crendo ou não
crendo, com eufórica leviandade... Como esperar que toupeiras voem como
águias?
Quanto ao absoluto
valor da democracia, da liberdade de imprensa e liberdade de expressão, não são
valores absolutos não! A liberdade é certamente um valor, mas só Deus é
Absoluto! Efetivamente, nenhuma religião deve militar contra o homem ou
desconhecer-lhe a dignidade fundamental.
Mas, atenção: quando um sistema
democrático torna-se ateu militante e inimigo da religião, quando se torna
espaço de degeneração de valores, já não mais pode ser considerado um valor.
Repito: nada é absoluto fora de Deus! Os crentes só adoramos a Deus; não a
democracia, não a liberdade de imprensa, não o neopaganismo iluminista que
devora a alma da nossa civilização!
Só para uma ulterior
reflexão, fiquem estas palavras de João Paulo II, no seu livro Memória e
Identidade: “A ética social católica apoia, por princípio, a solução
democrática, porque mais condizente com a natureza racional e social do homem.
Mas, longe dela – é bom especificá-lo! – canonizar este sistema. A verdade é que
cada uma das três soluções possíveis – a monarquia, a aristocracia e a
democracia – pode, em determinadas condições, servir para a realização do
objetivo do poder, isto é, do bem comum.
Entretanto, pressuposto indispensável
de qualquer solução é o respeito das normas éticas fundamentais... Diversas
formas de degeneração dos sistemas nomeados já foram classificadas na tradição
grega: assim, em caso de degeneração da monarquia, fala-se em tirania; e, para
as forma patológicas de democracia, Políbio cunhou o termo ‘oclocracia’, isto é,
o domínio da gentalha... A lei estabelecida pelo homem tem limites concretos,
que não pode ultrapassar: os limites fincados pela lei natural, com que o
próprio Deus tutela os bens fundamentais do homem”.
Tenho bem
consciência de que estas letras podem escandalizar alguns. Não é meu intento.
Gostaria apenas que fizessem pensar. A verdade é que nem tudo pode ser feito ou
dito em nome de uma pretensa liberdade sem limites, que não passa de um egoísmo
exacerbado e de uma idolatria do próprio eu, que torna impossível qualquer sadio
convívio social! A democracia é ótima e deve ser buscada, construída e
defendida, inclusive daqueles que a degeneram por um conceito absurdo de
liberdade que, alienada do bom senso, solapa todos os valores.
Don Henrique Soares
Bispo Auxiliar de Aracaju
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